quinta-feira, 26 de outubro de 2017

A situação é grave



Situação dos povos indígenas no Brasil é tema de audiência na OEA
  • 24/10/2017 21h08
  • Brasília




Jonas Valente - Repórter da Agência Brasil
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos realizou ontem (23) audiência para discutir a situação dos povos indígenas no Brasil. Na ocasião, as organizações autoras do pedido de reunião apresentaram um relatório com denúncias e questionamentos sobre a falta de atuação do Estado brasileiro em relação a problemas como a violência contra povos tradicionais, a lentidão nos processos de demarcação de terras e a ausência de apoio à proteção de lideranças ameaçadas.

O documento foi formulado por entidades como a Defensoria Pública da União (DPU), o Ministério Público Federal (MPF), a Associação de Juízes para a Democracia, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil e o Conselho Indigenista Missionário (Cimi). O governo brasileiro não apresentou respostas aos questionamentos levantados. Parte da delegação do Executivo não conseguiu chegar a tempo a Montevidéu (Uruguai), sede da CIDH, para participar da reunião. Uma nova audiência deverá ser realizada em novembro para que os representantes do Estado brasileiro possam oferecer sua posição sobre os temas levantados.

Violência
Uma das críticas presentes no relatório está relacionada a casos de violência contra indígenas. Segundo o texto, foram em média 60 homicídios ao ano entre 2010 e 2013. Foi verificado  um salto em 2014 e 2015, para 138 e 137 respectivamente, enquanto em 2016 foram 118. O estado com maior número de casos é Mato Grosso do Sul, onde a média de homicídios é de 27,71 a cada 100 mil habitantes na população em geral, mas entre indígenas o índice cresce para 43,26. Se considerados apenas os membros da etnia Guarani-Kaiowá, a média chega a 62,26.

Um dos casos citados no texto foi o do povo Gamella, no Maranhão, que foi atacado por homens armados em abril deste ano. Integrantes da etnia tiveram os pés e mãos cortados pelos autores da ação. Lideranças denunciaram aos governos federal e estadual o movimento de preparação da ação, que seria coordenado por fazendeiros em razão de conflitos fundiários. Mas relatam que a polícia não garantiu proteção. As entidades questionam o fato de instituições estatais, como polícias e órgãos do Judiciário, não estarem atuando para resolver o problema.

Lideranças indígenas
O relatório apresentado na audiência também destaca a falta de apoio às lideranças indpigenas ameaçadas. Segundo dados da Agência Pública constantes no documento, houve um aumento das solicitações de ativistas indígenas para entrar no Programa de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos, do governo federal. O número anual de pedidos saiu de 3 em 2011 para 11 em 2012, 26 em 2013, 40 em 2014, 44 em 2015 e 36 em 2016.

“O programa de proteção de defensores de direitos humanos não é efetivo e permitiu a prática de violências contra lideranças indígenas protegidas”, alega o documento. Um exemplo apresentado é a investigação aberta pela Polícia Federal no Rio Grande do Sul contra dez ativistas. O motivo seria o fato dessas lideranças terem questionado abusos em uma operação da PF e da Brigada Militar do estado contra representantes do povo Kaingang em novembro de 2016.

Demarcação de terras
Outro questionamento das organizações apresentado na audiência foi a lentidão nos processos de demarcação de terras indígenas. Segundo o documento, um levantamento do Cimi registrou 1.296 solicitações de demarcação. Destas, 401 (30%) tiveram os pedidos encaminhados. Ainda de acordo com o Cimi, haveria 836 terras que demandam análise e resolução por parte de órgãos públicos. Desse universo, 530 não tiveram qualquer resposta.

Flávio Machado, representante do Cimi na audiência, vê no caso dos índios Gamella como um exemplo da ineficiência dos governos (tanto federal quanto estadual) na prevenção de ações violentas. “O Estado espera pessoas serem atacadas ou mortas para que se avance em processos de demarcação”, afirma.

Segundo Marco Antônio Delfino, procurador do MPF na cidade de Dourados (Mato Grosso do Sul) e um dos participantes da audiência, “as demarcações se encontram paralisadas especialmente após o episódio da demarcação da Raposa Serra do Sol”, ocorrida em 2005, mas concluída apenas em 2013 após julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF).

As entidades questionam também parecer vinculante da Advocacia-Geral da União (AGU), de julho deste ano, que estendeu as exigências aplicadas ao caso da Raposa Serra do Sol a todas as demarcações. Entre elas está a obrigação de que a terra em análise tenha sido ocupada por povos indígenas no momento da promulgação da Constituição. Para a DPU, a visão “restritiva e cômoda” do parecer traz problemas, uma vez que tem influenciado juízes nas diversas instâncias, sendo cada vez mais frequentes decisões que despejam comunidades, obrigando-as a sobreviver à beira de rodovias ou extinguem processos de demarcação que já tramitavam há anos.

As organizações autoras do relatório solicitaram à Comissão Interamericana a constituição de um grupo de peritos independentes de diversas áreas para avaliar a situação da demarcação de terras indígenas no Brasil e propor soluções se as dificuldades apontadas forem constatadas.

A Agência Brasil contatou a Fundação Nacional do Índio (Funai) solicitando a posição do governo brasileiro, mas não recebeu resposta até a publicação da reportagem.
Edição: Amanda Cieglinski
 


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