Os
interesses econômicos por trás do impeachment
Leonardo Segura Moraes | Porto Alegre | Le Monde Diplomatique Brasil -
15/04/2016 - 17h25
É
fundamental que patriotismo não esconda seus reais objetivos, pois crises
econômicas andam juntas com crises políticas; atualmente ações que visam o
“interesse nacional” se mostram armadilhas retóricas.
Vivemos uma ânsia patriota que de
tempos em tempos renasce fervorosamente. A periodicidade do fenômeno, no
entanto, é menos interessante do que as semelhanças de conteúdo entre esses
vários episódios que compõem sua história. Seja em 1930 com o lema “façamos a
revolução antes que o povo a faça” de Antônio Carlos , ou em 1947 com o
cancelamento do registro político do Partido Comunista Brasileiro (PCB) por
apresentar caráter internacionalista cuja procedência marxista-leninista era
“estrangeira” e, por isso, ofendia o texto constitucional vigente . Mas porque
não mencionar o ano de 1964 e os “interesse e vontade da nação” como
justificativas para o golpe sobre o democraticamente eleito João Goulart ? Será
que não há qualquer semelhança entre a história recente e a conjuntura
brasileira em 2016?
Em 1930, tanto a Aliança Liberal
quanto os interesses econômicos das frações capitalistas industrial e
agropecuária se encontraram sob um denominador comum: era preciso estancar o
crescimento do PCB e a intensificação de mobilizações populares organizadas,
tais como a Greve Geral de 1917, a Revolta Paulista e a Comuna de Manaus, ambas
em 1924, e a Coluna Prestes, entre 1925 e 1927. As revoltas da década de 1920
se inseriram no escopo do movimento tenentista da década de 1920, mas comum a
todas elas é que embora tivessem caráter nacionalista, em um cenário de crise
econômica sua forte aproximação com a classe trabalhadora e setores sociais
marginalizados ameaçava os interesses econômicos industriais e ruralistas .
Dessa maneira, um “interesse nacional de esquerda” deveria ser combatido com um
“interesse nacional de direita” que se expressava através dos motivos pelos
quais o PCB teve seu registro político cancelado em 1947.
WikiCommons
Imagem da Coluna Prestes, Luis Carlos Prestes é o terceiro sentado da esquerda para a direita. Movimento foi uma das mobilizações sociais combatidas pela direita
A vitória nas urnas de Jânio
Quadros foi um alívio para a classe capitalista brasileira, pois o moralismo
conservador do presidente eleito sinalizava que possíveis ideias socialistas
não mais seriam anunciadas, mesmo que indiretamente, sob o trabalhismo
varguista. Mas como nem tudo está sob controle, a renúncia de Jânio permitiu a
ascensão de um herdeiro político do trabalhismo: João Goulart . A mínima
abertura para defesa dos interesses da classe trabalhadora, ainda que
defensivamente via aumentos salariais ou a sustentação da CLT, era suficiente
para que a classe capitalista agisse em defesa dos seus próprios.
Seria simplista demais atribuir
aos capitalistas uma consciência de classe tão forte. Na verdade, como classe
agem em busca do lucro e nos momentos históricos em que a lucratividade está em
queda são aqueles que há intensificação das crises políticas. Portanto,
precisando melhor o argumento, tanto em 1930 e 1947 quanto em 1964 é possível
afirmar que defender os interesses particulares dos capitalistas (lucro, por
exemplo) demandava conter o crescimento das conquistas trabalhistas. Derrubar o
governo Jango não era efetivamente um consenso nacional, mas certamente do
interesse de algumas classes sociais no Brasil.
A evidência empírica é
interessante para desmistificar certas visões ou evidenciar um ponto. De acordo
com dados sobre o comportamento da taxa de lucro no Brasil e seus determinantes
entre 1953-2003 , vê-se que ao longo desse período as variações da
produtividade do capital – uma variável útil para captar os efeitos da
tecnologia sobre a distribuição – foi responsável por praticamente toda a queda
na lucratividade. A participação dos lucros na renda se estabilizou a partir do
golpe militar em 1964, mas a razão capital-trabalho aumentou 5,6% ao ano até
1980. Por outro lado, o salário mínimo real teve queda de 43,5% ao longo da
ditadura militar pós-1964 . Parece forte o argumento de que Jango foi deposto
menos pelo que ele fez sobre os assalariados e mais pelo que ele não
vislumbrava claramente fazer pelos capitalistas . No entanto, a justificativa
oficial que embasou o AI-1 não continha essas prerrogativas em suas linhas.
Oficialmente Jango foi deposto por se tratar de uma “revolução que se distingue
de outros movimentos armados pelo fato de que nela se traduz, não o interesse e
a vontade de um grupo, mas o interesse e a vontade da Nação” .
Agência Efe
Início da primeira de três sessões da Câmara dos Deputados que irão definir se
o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff progredirá para o Senado
Os mais “centristas” diriam que a
perseguição contra a classe trabalhadora é coisa do passado e que na
circunstância atual o que está em jogo é o fortalecimento das instituições
republicanas por meio das investigações na Lava Jato e de segmentos que compõe
o aparelho jurídico do Estado brasileiro (ministério público, polícia federal,
entre outros). O argumento acima poderia ser resumido da seguinte maneira:
independentemente do viés seletivo que as investigações aparentam ter, é
importante que elas ocorram, pois pela primeira vez os políticos serão julgados
pelos seus crimes. Entretanto, temos evidências de que as instituições
republicanas estão como um todo se fortalecendo? Ou ainda, é possível concluir
que a seletividade explícita nas investigações não é um problema para a
democracia?
A consequência lógica desse
argumento é o de que fortalecer as instituições republicanas significa, também,
fortalecer a democracia. Porém, como em um passe de mágica, a retórica busca
eliminar todo o caráter hierárquico e autoritário das ações empreendidas em
prol da criminalização do Partido dos Trabalhadores (PT), de Lula ou Dilma como
cidadãos. Mas o sentido histórico dessa mágica e que constitui a substância
comum a 1947 e 1964 é o de impedir qualquer possibilidade de voz para os
socialmente marginalizados, ainda que essa voz se dê através de relativa
ascensão à condição de cidadãos-consumidores. Concretamente, a substância da
mágica é a “nação”, mas em 2016 essa mágica se esconde no advérbio empregado:independentemente.
Agência Efe
Classes trabalhadoras apoiam permanência do governo Dilma
Basta olhar alguns dos projetos
em tramitação no congresso brasileiro para compreender que a atual retórica
patriota estampada pelos manifestantes verde-amarelos se desmancha no ar. Em
texto publicado recentemente , Leonardo Sakamoto elencou 55 ameaças explícitas
à classe trabalhadora atualmente em curso no legislativo nacional. O resumo
dessas propostas consiste no que as entidades patronais recorrentemente vêm
chamando por “flexibilização das relações de trabalho” urbano e rural. Será que
trabalhadores e capitalistas concordam com o sentido dessa flexibilização? É no
mínimo suspeito dizer que sim, ainda mais com o apoio explícito dessas mesmas
entidades patronais à saída de Dilma do governo federal .
Frente a essas informações,
caberia ainda se questionar sobre a relação do governo Dilma com a classe
trabalhadora. Isto é, será que para os capitalistas não seria mais interessante
cooptar totalmente o governo para os seus interesses? O ajuste fiscal em
execução desde 2015 não foi favorável aos assalariados. Porém, ao mesmo tempo,
é notório o vínculo do PT com os movimentos sociais dos trabalhadores, pois,
caso contrário, não haveria tamanha adesão dos mesmos nas ruas em defesa do
mandado da presidenta Dilma como foi visto nos atos dos dias 18/03 e 31/03.
Além disso, ao longo desses atos ficou claro que a luta dos movimentos sociais
não é pela manutenção da política econômica em curso, porém por mais direitos e
conquistas. Não se trata de mera ideologia, mas de uma avaliação diferente
sobre o cenário político após o impeachment: quem mais perderá serão os
trabalhadores e os setores historicamente marginalizados de nossa sociedade e,
por isso, defender o mandato da presidenta é uma forma de lutar pelos interesses
dessa classe.
Agência
Efe
Mais do que questão de nacionalismo, possível impeachment de Dilma atende
interesses econômicos de certas classes
No âmbito acadêmico o debate
muitas vezes também cai na retórica dos “interesses nacionais” por diferentes
formas e a principal delas se dá sobre a política econômica. Os economistas,
sejam eles conscientes ou não do que dizem, quando defendem a volta da
confiança ao ambiente de negócios insinuam que a maneira mais rápida para isso
seria com a troca de comando do Executivo. A queda de Dilma, portanto, seria
boa para os negócios e consequentemente para o crescimento econômico do país.
Curiosamente, pouca retórica é gasta sobre o tipo de crescimento que viria, dentro
das circunstâncias atuais, após essa mudança. Despolitizam o debate sobre
política econômica apresentando como solução única aquela que vai ao encontro
dos interesses de banqueiros, empresários e ruralistas, quando na verdade
qualquer debate é por definição político.
Todos defendem seus interesses e
a classe trabalhadora luta como pode e entende que será adequado aos seus
objetivos. Os capitalistas fazem o mesmo, porém dada a distribuição desigual do
poder nas sociedades de mercado, as condições de luta são distintas, o que fica
claro na campanha midiática contra o atual governo federal. Dessa maneira, é
fundamental que o patriotismo não esconda seus reais objetivos, pois crises
econômicas andam juntas com crises políticas, seja em 1930, 1964 ou em 2016. Em
uma sociedade tão heterogênea em termos socioeconômicos tal qual a brasileira,
ações que visam o “interesse nacional” se mostram historicamente como
armadilhas retóricas para falsos consensos. Afinal, a quem interessa o
impeachment da presidenta Dilma?
*Este texto foi originalmente publicado em Le Monde Diplomatique Brasil
*Este texto foi originalmente publicado em Le Monde Diplomatique Brasil
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