Situação
dos povos indígenas no Brasil é tema de audiência na OEA
- 24/10/2017 21h08
- Brasília
Jonas
Valente - Repórter da Agência Brasil
A Comissão Interamericana de
Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos realizou ontem
(23) audiência para discutir a situação dos povos indígenas no Brasil. Na
ocasião, as organizações autoras do pedido de reunião apresentaram um relatório
com denúncias e questionamentos sobre a falta de atuação do Estado brasileiro em
relação a problemas como a violência contra povos tradicionais, a lentidão nos
processos de demarcação de terras e a ausência de apoio à proteção de
lideranças ameaçadas.
O documento foi formulado por
entidades como a Defensoria Pública da União (DPU), o Ministério Público
Federal (MPF), a Associação de Juízes para a Democracia, a Ordem dos Advogados
do Brasil (OAB), a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil e o Conselho
Indigenista Missionário (Cimi). O governo brasileiro não apresentou respostas
aos questionamentos levantados. Parte da delegação do Executivo não conseguiu
chegar a tempo a Montevidéu (Uruguai), sede da CIDH, para participar da
reunião. Uma nova audiência deverá ser realizada em novembro para que os
representantes do Estado brasileiro possam oferecer sua posição sobre os temas
levantados.
Violência
Uma das críticas presentes no
relatório está relacionada a casos de violência contra indígenas. Segundo o
texto, foram em média 60 homicídios ao ano entre 2010 e 2013. Foi
verificado um salto em 2014 e 2015, para 138 e 137 respectivamente,
enquanto em 2016 foram 118. O estado com maior número de casos é Mato Grosso do
Sul, onde a média de homicídios é de 27,71 a cada 100 mil habitantes na
população em geral, mas entre indígenas o índice cresce para 43,26. Se
considerados apenas os membros da etnia Guarani-Kaiowá, a média chega a 62,26.
Um dos casos citados no texto foi
o do povo Gamella, no Maranhão, que foi atacado por homens armados em abril
deste ano. Integrantes da etnia tiveram os pés e mãos cortados pelos autores da
ação. Lideranças denunciaram aos governos federal e estadual o movimento de
preparação da ação, que seria coordenado por fazendeiros em razão de conflitos
fundiários. Mas relatam que a polícia não garantiu proteção. As entidades questionam
o fato de instituições estatais, como polícias e órgãos do Judiciário, não
estarem atuando para resolver o problema.
Lideranças indígenas
O relatório apresentado na
audiência também destaca a falta de apoio às lideranças indpigenas ameaçadas.
Segundo dados da Agência Pública constantes no documento, houve um aumento das
solicitações de ativistas indígenas para entrar no Programa de Proteção aos
Defensores dos Direitos Humanos, do governo federal. O número anual de pedidos
saiu de 3 em 2011 para 11 em 2012, 26 em 2013, 40 em 2014, 44 em 2015 e 36 em
2016.
“O programa de proteção de
defensores de direitos humanos não é efetivo e permitiu a prática de violências
contra lideranças indígenas protegidas”, alega o documento. Um exemplo
apresentado é a investigação aberta pela Polícia Federal no Rio Grande do Sul
contra dez ativistas. O motivo seria o fato dessas lideranças terem questionado
abusos em uma operação da PF e da Brigada Militar do estado contra
representantes do povo Kaingang em novembro de 2016.
Demarcação de terras
Outro questionamento das
organizações apresentado na audiência foi a lentidão nos processos de
demarcação de terras indígenas. Segundo o documento, um levantamento do Cimi
registrou 1.296 solicitações de demarcação. Destas, 401 (30%) tiveram os
pedidos encaminhados. Ainda de acordo com o Cimi, haveria 836 terras que
demandam análise e resolução por parte de órgãos públicos. Desse universo, 530
não tiveram qualquer resposta.
Flávio Machado, representante do
Cimi na audiência, vê no caso dos índios Gamella como um exemplo da
ineficiência dos governos (tanto federal quanto estadual) na prevenção de ações
violentas. “O Estado espera pessoas serem atacadas ou mortas para que se avance
em processos de demarcação”, afirma.
Segundo Marco Antônio Delfino,
procurador do MPF na cidade de Dourados (Mato Grosso do Sul) e um dos
participantes da audiência, “as demarcações se encontram paralisadas
especialmente após o episódio da demarcação da Raposa Serra do Sol”, ocorrida
em 2005, mas concluída apenas em 2013 após julgamento no Supremo Tribunal
Federal (STF).
As entidades questionam também
parecer vinculante da Advocacia-Geral da União (AGU), de julho deste ano, que
estendeu as exigências aplicadas ao caso da Raposa Serra do Sol a todas as
demarcações. Entre elas está a obrigação de que a terra em análise tenha sido
ocupada por povos indígenas no momento da promulgação da Constituição. Para a
DPU, a visão “restritiva e cômoda” do parecer traz problemas, uma vez que tem
influenciado juízes nas diversas instâncias, sendo cada vez mais frequentes
decisões que despejam comunidades, obrigando-as a sobreviver à beira de
rodovias ou extinguem processos de demarcação que já tramitavam há anos.
As organizações autoras do
relatório solicitaram à Comissão Interamericana a constituição de um grupo de
peritos independentes de diversas áreas para avaliar a situação da demarcação
de terras indígenas no Brasil e propor soluções se as dificuldades apontadas
forem constatadas.
A Agência Brasil contatou
a Fundação Nacional do Índio (Funai) solicitando a posição do governo
brasileiro, mas não recebeu resposta até a publicação da reportagem.
Edição: Amanda
Cieglinski