Quatro
testemunhas depõem no primeiro dia do júri da Chacina de Osasco
- 19/09/2017 00h53
- São Paulo
Camila
Maciel – Repórter da Agência Brasil
Quatro testemunhas foram ouvidas
no primeiro dia do julgamento da Chacina de Osasco: três investigadores e um
sobrevivente. A sessão, que estava marcada para começar às 13h, teve início por
volta das 16h. O júri foi marcado pelo questionamento das provas pela defesa,
que argumenta fragilidades nos indícios que levaram dois policiais militares e
um guarda civil a julgamento. Para a promotoria, a defesa se comportou de forma
desrespeitosa com as testemunhas que respondiam pelas investigações, o que, na
avaliação do promotor Marcelo Oliveira, demonstra “desespero”. O julgamento
começou nessa segunda-feira (18).
“Eu vi um capitão da Corregedoria
da PM [Polícia Militar] ser tratado como réu. Vi um delegado ser tratado como
bandido pela forma como as perguntas foram feitas e, o pior, eles vão ter que
ficar incomunicáveis para fazer uma acareação amanhã, que, na minha avaliação,
não tem sentido nenhum”, disse o promotor. Ele se refere aos depoimentos de
Rodrigo Elias da Silva, chefe da equipe de investigação da Corregedoria
Militar, e de José Mário de Lara, delegado de polícia do Departamento de
Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP).
A pedido da defesa, os dois
depoentes ficaram recolhidos para participar de uma acareação com uma
testemunha protegida. De acordo com os advogados dos réus, o confronto de
posições é necessário para esclarecer a versão de um sobrevivente que
reconheceu o policial Fabrício Emmanuel Eleutério. Os defensores sustentam que
não há certeza de que Elias, codinome da vítima que está sob proteção, tenha
sido realmente atingido pelos disparos dos homens encapuzados.
Segundo a advogada de defesa de
Eleutério, Flávia Artilheiro, Elias consta como tendo sido atendido no
pronto-socorro naquela noite, mas o fato não foi registrado em boletim de
ocorrência. Ela aponta que “duas testemunhas da fase inquisitorial relatam que
naquele local, na Rua Suzano, foi alvejado um adolescente entre 14 e 17 anos”.
Flávia explica que essas características não se aplicam a Elias. “A não ser o
fato dela alegar ser vítima desse episódio, não há qualquer lastro documental
que o vincule a este fato”, diz. Para a promotoria, o questionamento não cabe,
pois as investigações mostraram que Elias foi atendido no hospital e a falta de
registro policial decorre do grande número de atendimentos feitos no dia dos
ataques.
Para Oliveira, a associação da
vítima a um adolescente decorre das vestimentas dele no momento. “A ideia [da
defesa] é tirar a credibilidade de qualquer pessoa que tenha participado das
investigações”, disse o promotor. Foi por causa do atraso da testemunha que
participará da acareação que a sessão teve início após três horas do horário
previsto. Ela foi trazida por policiais. “Ela estava com medo. Penso eu, não
queria ter vindo, tanto é que teve que ser conduzida para cá. Todo mundo tem
receio. Uma matança dessa proporção faz com que quem a presenciou e saiba de
alguma coisa pense: 'Se eu falar algo, a mesma coisa pode acontecer comigo'”,
disse Oliveira.
As oitivas terão continuidade
nesta terça-feira (19) a partir das 10h. O plenário do Fórum Criminal de Osasco
está reservado para 12 dias de julgamento. Por uma questão de segurança, a rua
em frente ao tribunal foi interditada a pedido da juíza Élia Kinosita Bulman,
que preside a sessão.
O caso
Os réus são acusados de participação
nos ataques ocorridos na região metropolitana de São Paulo, que resultaram na
morte de 17 pessoas e no ferimento a bala de mais sete em 13 de agosto de 2015.
Os assassinatos aconteceram em um intervalo de aproximadamente duas horas.
Eleutério e o policial Thiago Barbosa Henklain respondeu por todas as mortes,
enquanto o guarda civil Sérgio Manhanhã, que teria atuado para desviar viaturas
dos locais onde os crimes ocorreriam, foi denunciado por 11 mortes.
Eleutério, Henklain e Maranhã vão
responder por organização criminosa e homicídio qualificado. Somadas, as penas
podem chegar a 300 anos de prisão, disse o promotor do caso. De acordo com a
denúncia oferecida pelo Ministério Público, os assassinatos ocorreram para
vingar as mortes do policial militar Admilson Pereira de Oliveira, que foi
baleado ao reagir a um assalto a um posto de gasolina onde fazia “bico” como
segurança, e do guarda civil de Barueri Jeferson Luiz Rodrigues da Silva, que
foi morto também após reagir a um assalto.
Provas
Para a defesa de Fabrício
Eleutério, o reconhecimento dele por uma vítima não seria suficiente pois as
circunstâncias em que Elias se apresenta como sobrevivente são questionáveis.
“Desde o começo, sem o auxílio de nenhum advogado, ele conta a mesma versão.
Ninguém anda por aí criando álibi. Ele efetivamente contou o que ele fez
naquele dia com detalhe, se deram importância ou não para apurar, é
responsabilidade da acusação, porque a responsabilidade de prova é deles”,
dissse Nilton Nunes, um dos advogados da defesa do policial.
Eleutério é descrito como um
homem dissimulado pela promotoria. Durante o julgamento, após a entrada dos
jurados, o réu chorou por diversas vezes, segurando uma Bíblia. “É o que mais
está acostumado com aquele banco, infelizmente. Cada um que tire a sua
conclusão”, disse Oliveira aos jornalistas após o término da sessão. Fabrício
responde por participação em chacinas similares à de 2015. Para os advogados, o
policial estava emocionado. “Ele está muito esperançoso, apesar da alma
angustiada, de que a Justiça vai se realizar”, disse Flávia Artilheiro.
A troca de mensagens entre
Manhanhã e Victor Cristilder (policial também acusado pelos crimes, mas que
recorreu e será julgado em separado) é a principal prova de ligação do guarda
civil com o crime. A defesa questiona a validade da forma como os conteúdos,
que tinham sido apagados, foram recuperados. As mensagens foram trocadas antes
do início dos fatos, com uma mão fazendo sinal de positivo, e, ao final, com o
mesmo símbolo e com outro representando um braço forte. “O telefone teria que
ser periciado pelo Instituto de Criminalística e não um relatório [da Unidade
de Inteligência Policial]”, diz Abelardo Rocha, advogado do guarda.
Em relação a Heinklain, há relato
de testemunha de que o policial discutiu com a esposa, que o teria reconhecido
em imagens de câmeras de segurança divulgadas por emissoras de televisão sobre
o caso. A discussão foi ouvida por uma pessoa, que relatou o ocorrido para
outra pessoa próxima, que, por sua vez, testemunhou à Polícia Civil. Essa
testemunha é chamada de “Gama” nos autos. No entanto, a testemunha teve medo de
reafirmar o depoimento perante a juíza.
Para o advogado Fernando Capano,
responsável pela defesa de Heinklain, a investigação falhou ao não procurar
diretamente a pessoa que ouviu o relato que incriminaria o policial. “O
delegado responsável diz que, na verdade, ele sabe, tem ciência, sabe quem é
que teria ouvido a discussão presencialmente, mas que simplesmente achou que
não deveria ouvi-lo”, criticou. O delegado Andreas Schiffmann, que ficou
responsável por parte das investigações e também foi ouvido, disse que o medo
da testemunha foi determinante para que esse caminho não fosse perseguido.
Edição: Fábio
Massalli
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