PMs que
mataram menino de 10 anos descumpriram recomendação de manter distância
- 15/06/2016 16h30
- São Paulo
Fernanda
Cruz - Repórter da Agência Brasil
O áudio do diálogo entre os
policiais que participaram da ação que terminou com a morte de um menino de dez anos,
no dia 2 de maio, em São Paulo, mostra que os agentes não cumpriram orientação
do Centro de Operações da Polícia Militar (Copom) de evitar confronto, de
acordo com o ouvidor das polícias, Júlio César Fernandes.
Segundo o ouvidor, na conversa
com o Copom, os PMs que estavam em ação disseram “jogou pra cima”, um jargão
que significa reação a tiros. Em seguida, receberam a recomendação para manter
distância e evitar confronto, o que foi descumprido.
“O rapaz da Rocam [Ronda
Ostensiva Com Apoio de Motocicletas] não só não manteve distância como foi para
cima do garoto, não acatou a orientação do Copom. Quem vai analisar isso com
detalhes é a autoridade policial, para que haja uma reconstituição perfeita
disso”, disse hoje (15) o ouvidor durante audiência pública na sede da Ordem
dos Advogados do Brasil (OAB) em São Paulo para discutir a violência policial.
O caso
O Departamento de Homicídios e
Proteção à Pessoa (DHPP) investiga a veracidade da versão
policial, segundo a qual o menino foi baleado em confronto após ter feito três
disparos contra os policiais com uma arma calibre 38. O menino e um amigo de 11
anos haviam furtado um carro na garagem de um condomínio. Os policiais
perceberam a ação e saíram em perseguição ao veículo, um Daihatsu Terios.
O ouvidor das polícias questionou
o exame residuográfico feito nas mãos do menino morto, que comprovou resíduos
de pólvora. Fernandes disse que a situação pode ter sido forjada, como ocorreu
em outros casos semelhantes.
“A autoridade precisa escutar o
garoto sobrevivente novamente, para que seja feita uma reconstituição fiel ao
caso. De qualquer forma, o exame residuográfico não é definitivo. Os policiais
demoraram cinco horas para que o DHPP começasse o registro da ocorrência. Se
eles [PMs] fizeram um vídeo com o sobrevivente falando, eles tiveram tempo para
pensar em tudo”, disse.
Saiba Mais
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O ouvidor defendeu a instalação
de câmeras de vídeo em todas as viaturas policias e motocicletas da Rocam.
“Assim ficaria mais fácil de elucidar esses homicídios que tem ocorrido aqui em
São Paulo.”
Isolamento na Corregedoria
Os seis policiais envolvidos no
caso estão mantidos em isolamento na sede da Corregedoria da Polícia Militar,
segundo o coordenador de Direitos Humanos da OAB, Martim de Almeida Sampaio.
“Estou acompanhando o caso. Eles
estão alocados na Corregedoria, numa sala, isolados, sem celular, assistindo
televisão. Estão à disposição para eventuais depoimentos, o que é diferente de
trabalhar. Se isso é regular, do ponto de vista da corporação, eu não sei.”
“A gente fica surpreso que eles
estejam logo na Corregedoria, mas não acredito que atrapalhe nas
investigações”, disse o ouvidor.
A Secretaria da Segurança
confirmou que os PMs continuam afastados das ruas, mas não estão detidos, e que
agora cumprem jornada dentro da Corregedoria.
A Corregedoria apura a conduta
dos policiais, já que, segundo depoimento da mãe do menino, o garoto não atirou
nos militares. O menino sobrevivente também disse, em seu último depoimento,
que não houve confronto com a polícia. Além disso, não foram encontradas marcas
dos tiros que teriam sido efetuados pelo garoto. Segundo a PM, o menino fez os
disparos com o vidro abaixado e fechou a janela antes de ser baleado.
“Tudo indica que as coisas se
passaram não exatamente como relatado pela primeira vez”, disse Sampaio, da
OAB. “Se é verdade o que um menino de dez anos trocou tiro com a polícia, isso
é uma tragédia. Que país é esse em que um menino de dez anos vai pra escola
para combinar assalto, rouba e troca tiro com a polícia. Se é mentira dos
policiais e eles executaram uma criança, também é uma tragédia.”
O ex-ouvidor das polícias e
presidente da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo, Antônio
Funari Filho, disse que a ação dos policiais foi equivocada. “O policial da
moto chegou sem entender muito o que estava acontecendo e já chegou atirando.
Pelo Método Giraldi [técnicas e normas de atuação da PM paulista], o policial
não é um militar, não está numa guerra, para morrer e matar. Ele está lá para
não morrer e para evitar que os outros morram. Tem que se evitar ao máximo o
uso da arma”, disse.
“A polícia existe para defender o
direito humano à segurança, não para proteger o patrimônio de alguns.
Infelizmente, o que a gente vê é que a policial nem sempre age assim. A
letalidade da polícia é muito grande”, disse Funari Filho.
Edição: Luana
Lourenço
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